terça-feira, maio 10

estórias de professor

Não resisti, a partir deste texto, a partilhar um texto e um professor, um texto há muito guardado.

Não recordo se José Sena apareceu no primeiro se no segundo semestre do primeiro ano do meu curso. Sei que apareceu e nunca mais desapareceu, nunca mais se ausentou da minha memória de gente.
Leccionava um cadeirão (economia) difícil para elementos que pouco tinham apreciado da matemática, este homem tinha como principal características, que interiorizei, procurar simplificar o que é aparentemente difícil, brincar com coisas aparentemente sérias. Descobri, progressivamente, que se levam melhor, fazem-se melhor, custam menos.
O cadeirão foi feito, não apenas por mim mas pela generalidade dos alunos, à primeira, proeza assinalável num curso onde a média acontecia apenas à terceira. Mas ficou a relação, ficou uma amizade, tive oportunidade de lhe dizer que foi uma das pessoas que mais me marcou enquanto professor, enquanto profissional do ensino e enquanto pessoa.
Aprendi, com este homem, a organizar a vida, a fazer dela um prazer, a descobrir que as amizades valem sempre a pena, a reconhecer no reconhecimento do olhar, no brilhozinho que se pode notar nos olhos de alguém que o mundo é pequeno quando gostamos do que fazemos. Aprendi que só não temos tempo para aquilo que não queremos ou perante o qual não temos interesse.
José Sena era docente na Universidade de Évora, vereador na câmara municipal da sua terra, director do jornal local, colaborava em revistas e projectos de investigação da sua área, desenvolvia estudos pós graduados em Lisboa, mostrava interesse pela informática que então despontava, casado e pai ainda lhe sobrava tempo para degostar a vida nas tascas do Ti Zé D’Alter, no Xa Negra ou no Isaías.
Um dia perguntei-lhe como conseguia fazer tudo isso, respondeu-me que quanto menos tem para fazer, menos faz. Gosta de estar ocupado, gostava da vida como ela era e não como devia ser.
Aprendi com ele a gostar de me meter nas coisas, de fazer pela vida, de organizar o meu mundo, de me envolver com as pessoas, de fazer coisas que transmitam, de uma ou de outra maneira, de um ou de outro modo, gosto por aquilo que se faz, por aquilo que fazemos.
Morreu já eu era docente e ele presidente da câmara. Não fui ao funeral, preferi recordá-lo em vida, professor, de ponteiro na mão, virado para o tecto a perguntar, entre o sarcástico e o irónico, o ofendido e o exigente se a bancada da oposição, aquela que se sentava no fundo da sala a ver se passava despercebida, se importava de colaborar no desenvolvimento da economia, que não tivéssemos dúvidas que, por incrível que nos pudesse parecer, estávamos numa aula e numa aula de economia em particular.
Frases, atitudes, comportamentos e valores que me ficaram e das quais me apropriei como se fossem minhas. Memórias de um homem, a única referência profissional que afirmo reconhecer e que conheci em vida.
Foi com ele que aprendi, ao consciencializar esta relação, que o acto pedagógico é sempre um acto relacional, que apelam à interiorização, à consciencialização pessoal de situações, à superação das dúvidas que impelem ao avanço, à aquisição de saberes ou competências. Sendo um acto relacional, não pode ser destituído de afectos, sentimentos, emoções que orientam, conduzem e enformam essa relação.
Ainda hoje é este um dos meus princípios de orientação e apoio enquanto profissional. E tantas vezes sinto saudades do Prof. Sena.

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