quinta-feira, março 3

Leituras

O Abrupto de hoje, na vez e na voz dos seus leitores [desconfio que um dia se tornarão e-leitores] traz-me recordações da minha infância, de tempos em que [como hoje] pouco dinheiro tinha exactamente na proporção inversa da muita sede de livros e leituras que também tinha.
Entre uma e outra lembro-me de duas situações que, para além da já referida biblioteca pública de Évora, me alimentavam a sede.
Uma era a papelaria Angola, agora com um estilo novo, qual quiosque de uma cidade, onde abundavam revistas, jornais e livros tudo ao monte e fé em Deus, amontoado entre caixotes, pacotes de cigarros e um balcão idiota que dificultava o acesso à estante dos livros. Ainda por cima a papelaria ficava, para mim e para todos aqueles com quem andava, num sítio estratégico. Exactamente por cima ficava uma senhora que, de Verão, vendia pirolitos, chupa-chupa de sabores, feitos em casa obviamente e que, demolhados em açúcar queimado, eram a delícia da rapaziada. Tantos tostões roubei eu à mãe ou à tia para ir ali comprar pirolitos, descer e sentar-me no chão a ler livros de banda desenhada ou histórias de encantar que me apareciam na mão.
Um outro, ligeiramente mais recente, já pós 25 de Abril de 74, era a tabacaria do senhor Sofio, a meio da rua de Aviz, mais acessível pela proximidade de casa, de mais difícil acesso por tanto o pai como a mãe por ali passavam e eu, sem relógio, apanhado em leituras por vezes mais travessas.
A tabacaria do sr. Sofio permitiu-me alargar horizontes, pois trouxe para Évora uma coisa que, pelo menos eu, desconhecia então, a troca de livros. Levava uns quantos, o senhor folheava-os, mirava-os e, com aquele ar circunspecto no meio dos seus mais de cem quilos de largura, dizia que podiamos trocar por outros tantos, obviamente que quase sempre em número inferior, pois a casa nunca saía a perder.
Entre um e outro estabelecimento fazia o Verão, as férias então tão grandes como os dias. Perdia-me em leituras, desorientava-me naquilo que ainda hoje gosto de fazer, entrar numa livraria e mexer nos livros, folhear ao acaso páginas, ler aqui e ali um parágrafo, apanhar um sentido.
Hoje temos a fnac e, no Porto, [que gosto e conheço mais e melhor] livrarias que, entre modas e oportunidades, permitem folhear livros, sentir um livro na mão, sentir o peso das ideias e dos sentimentos que transporta.
ele há dias assim.

1 comentário:

Anónimo disse...

que saudades dos pirolitos! a sério.
Sr. Sofio, :), coitado do homem.